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02/09/10

Vossa Formosa ...

Vossa formosa juventude Ieda,
Vossa felicidade pensativa,
Vosso modo de olhar a quem vos olha,
Vosso não conhecer-vos -
Tudo quanto vós sois, que vos semelha
À vida universal que vos esquece
Dá carinho de amor a quem vos ama
Por serdes não lembrando

Quanta igual mocidade a eterna praia
De Cronos, pai injusto da justiça,
Ondas, quebrou, deixando à só memória
Um branco som de 'spuma.

Ricardo Reis

23/07/10

Cansa ser, sentir dói, pensar destruir

Cansa ser, sentir dói, pensar destruir.
Alheia a nós, em nós e fora,
Rui a hora, e tudo nela rui.
Inutilmente a alma o chora.

De que serve ? O que é que tem que servir ?
Pálido esboço leve
Do sol de inverno sobre meu leito a sorrir...
Vago sussuro breve.

Das pequenas vozes com que a manhã acorda,
Da fútil promessa do dia,
Morta ao nascer, na 'sperança longínqua e absurda
Em que a alma se fia.
(Fernando Pessoa)

02/07/10

Tomara



Tomara
Que você volte depressa
Que você não se despeça
Nunca mais do meu carinho
E chore, se arrependa
E pense muito
Que é melhor se sofrer junto
Que viver feliz sozinho

Tomara
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz

E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais...
(Vinícius de Moraes)

17/05/10

Abismo



Olho o Tejo, e de tal arte

Que me esquece olhar olhando,

E súbito isto me bate

De encontro ao devaneando -

O que é sério, e correr?

O que é está-lo eu a ver?


Sinto de repente pouco,

Vácuo, o momento, o lugar.

Tudo de repente é oco -

Mesmo o meu estar a pensar.

Tudo - eu e o mundo em redor -

Fica mais que exterior.


Perde tudo o ser, ficar,

E do pensar se me some.

Fico sem poder ligar

Ser, idéia, alma de nome

A mim, à terra e aos céus...
E súbito encontro Deus.

(Fernando Pessoa)

03/05/10

Gaivota



Se uma gaivota viesse

trazer-me o céu de Lisboa

no desenho que fizesse,

nesse céu onde o olhar

é uma asa que não voa,

esmorece e cai no mar.


Que perfeito coração

no meu peito bateria,

meu amor na tua mão,

nessa mão onde cabia

perfeito o meu coração.


Se um português marinheiro,

dos sete mares andarilho,

fosse quem sabe o primeiro

a contar-me o que inventasse,

se um olhar de novo brilho

no meu olhar se enlaçasse.


Que perfeito coração

no meu peito bateria,

meu amor na tua mão,

nessa mão onde cabia

perfeito o meu coração.


Se ao dizer adeus à vida

as aves todas do céu,

me dessem na despedida

o teu olhar derradeiro,

esse olhar que era só teu,

amor que foste o primeiro.


Que perfeito coração

morreria no meu peito morreria,

meu amor na tua mão,

nessa mão onde perfeito

bateu o meu coração.

Alexandre O'Neill

27/04/10

O regresso



"Lá vem a Nau Catrineta

Que tem muito que contar.

Ouvi, agora, Senhores

Uma história de pasmar..."

A Mãe correu à varanda,

Bem longe de imaginar

Que o alarme desejado

Vinha dum cego a cantar:

"Passava mais de ano e dia

Que iam na volta do mar,

Já não tinham que comer,

Já não tinham que manjar..."

A Mãe abriu num soluço

O coração a sangrar,

Porque a sola era tão rija

Que a não podiam tragar...

"Deitam sortes à ventura

Qual se havia de matar".

(A Mãe tinha pão na arca

E não lho podia dar!)

"Logo foi cair a sorte..."

(Que sorte tão singular!).

O gageiro olhava, olhava,

Mas só via céu e mar...

"Alvíssaras, Capitão..."

E o vento a enrodilhar

A voz do homem da gávea

Na do ceguinho a cantar!

"A minha alma é só de Deus,

O corpo dou-o eu ao mar..."

A Mãe, que nada podia,

Já só podia rezar...

"Deu um estoiro o demónio,

Acalmaram vento e mar.

" E quando o cego acabou

Estavam em terra a varar...

Miguel Torga

15/04/10

Poema dum Funcionário Cansado

A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida
num quarto só.
Poema - António Ramos Rosa

10/04/10

Bom fim de semana

recados para orkut

06/04/10

A Criança Que Ri na Rua



A CRIANÇA que ri na rua,

A música que vem no acaso,

A tela absurda, a estátua nua,

A bondade que não tem prazo -


Tudo isso excede este rigor

Que o raciocínio dá a tudo,

E tem qualquer cousa de amor,

Ainda que o amor seja mudo
(Fernando Pessoa)

26/03/10

Olá!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

recados personalizados

Dia do Cacau e do Chocolate

gifs fofas

22/03/10

O Louco

E fala aos constelados céus
De trás das mágoas e das grades
Talvez com sonhos como os meus ...
Talvez, meu Deus!, com que verdades!

As grades de uma cela estreita
Separam-no de céu e terra...
Às grades mãos humanas deita
E com voz não humana berra...
(Fernando Pessoa)

10/03/10

Baladas de uma outra terra

Baladas de uma outra terra, aliadas
Às saudades das fadas, amadas por gnomos idos,
Retinem lívidas ainda aos ouvidos
Dos luares das altas noites aladas...
Pelos canais barcas erradas
Segredam-se rumos descridos...

E tresloucadas ou casadas com o som das baladas,
As fadas são belas e as estrelas
São delas... Ei-las alheadas...

E sao fumos os rumos das barcas sonhadas,
Nos canais fatais iguais de erradas,
As barcas parcas das fadas,
Das fadas aladas e hiemais
E caladas...

Toadas afastadas, irreais, de baladas...
Ais...
(Fernando Pessoa Cancioneiro)

09/03/10

Vai alto pela folhagem



Vai alto pela folhagem

Um rumor de pertencer,

Como se houvesse na aragem

Uma razão de querer.


Mas, sim, é como se o som

Do vento no arvoredo

Tivesse um intuito, ou bom

Ou mau, mas feito em segredo,


E que, pensando no abismo

Onde os ventos são ninguém,

Subisse até onde cismo,

E, alto, alado, num vaivém


De tormenta comovesse

As árvores agitadas

Até que delas me viesse

Este mau conto de fadas.

(Fernando Pessoa -5-9-1933)

05/03/10

Bom fim de semana

Canção

Silfos ou gnomos tocam?...
Roçam nos pinheirais
Sombras e bafos leves
De ritmos musicais.

Ondulam como em voltas
De estradas não sei onde
Ou como alguém que entre árvores
Ora se mostra ou esconde.

Forma longínqua e incerta
Do que eu nunca terei...
Mal oiço e quase choro.
Por que choro não sei.

Tão tênue melodia
Que mal sei se ela existe
Ou se é só o crepúsculo,
Os pinhais e eu estar triste.

Mas cessa, como uma brisa
Esquece a forma aos seus ais;
E agora não há mais música
Do que a dos pinheirais.
(Fernando Pessoa )

04/03/10

Intervalo



Quem te disse ao ouvido esse segredo

Que raras deusas têm escutado -

Aquele amor cheio de crença e medo

Que é verdadeiro só se é segredado?...

Quem te disse tão cedo?


Não fui eu, que te não ousei dizê-lo.

Não foi um outro, porque não sabia.

Mas quem roçou da testa teu cabelo

E te disse ao ouvido o que sentia?

Seria alguém, seria?


Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?

Foi só qualquer ciúme meu de ti

Que o supôs dito, porque o não direi,

Que o supôs feito, porque o só fingi

Em sonhos que nem sei?


Seja o que for, quem foi que levemente,

A teu ouvido vagamente atento,

Te falou desse amor em mim presente

Mas que não passa do meu pensamento

Que anseia e que não sente?


Foi um desejo que, sem corpo ou boca,

A teus ouvidos de eu sonhar-te disse

A frase eterna, imerecida e louca -

A que as deusas esperam da ledice

Com que o Olimpo se apouca.

(Fernando Pessoa)

Cancioneiro

03/03/10

Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva



Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva

Não faz ruído senão com sossego.

Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva

Do que não sabe, o sentimento é cego.

Chove. Meu ser (quem sou) renego...


Tão calma é a chuva que se solta no ar

(Nem parece de nuvens) que parece

Que não é chuva, mas um sussurrar

Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.

Chove. Nada apetece...


Não paira vento, não há céu que eu sinta.

Chove longínqua e indistintamente,

Como uma coisa certa que nos minta,

Como um grande desejo que nos mente.

Chove. Nada em mim sente...

(Fernando Pessoa)

02/03/10

Leva-me longe, meu suspiro fundo,



Leva-me longe, meu suspiro fundo,
Além do que deseja e que começa,
Lá muito longe, onde o viver se esqueça
Das formas metafísicas do mundo.

Aí que o meu sentir vago e profundo
O seu lugar exterior conheça,
Aí durma em fim, aí enfim faleça
O cintilar do espírito fecundo.

Aí ... mas de que serve imaginar
Regiões onde o sonho é verdadeiro
Ou terras para o ser atormentar ?

É elevar demais a aspiração,
E, falhado esse sonho derradeiro,
Encontrar mais vazio o coração.
(Fernando Pessoa)

28/02/10

“NÃO DESTRUAM OS LIVROS!”

PETIÇÃO MIL: “NÃO DESTRUAM OS LIVROS!”

http://www.gopetition.com/online/28707.html

27/02/10

Tudo por um beijo




Eu não sei bem quem tu és
Sei que gosto dos teus pés
Do teu olhar atrevido

Tu baralhas-me a razão
Invades-me o coração
E eu ando um pouco perdido

Troco tudo por um beijo
Mais vale morder um desejo
Que ter toda a fama do mundo

Troco tudo por um beijo
Mais vale morder um desejo
Que todo o dinheiro do mundo

Adivinha onde eu cheguei
Desde o tempo em que roubei a tua privacidade
Fiz de ti lírio quebrado
Fera de gesto acossado, vendi a tua ansiedade

Troco tudo por um beijo
Mais vale morder um desejo
Que ter toda a fama do mundo

Troco tudo por um beijo
Mais vale morder um desejo
Que todo o dinheiro do mundo

E agora que estamos sós, vamos ser apenas nós
Dar a volta ao argumento
Vamos fugir em segredo
Sumir por entre o enredo, soltar o cabelo ao vento

Troco tudo por um beijo
Mais vale morder um desejo
Que ter toda a fama do mundo

Troco tudo por um beijo
Mais vale morder um desejo
Que todo o dinheiro de mundo

Musica da banda sonora do filme: A bela e o paparazzo.

26/02/10

Lisboa



Lisboa com suas casas

De várias cores,

Lisboa com suas casas

De várias cores,

Lisboa com suas casas

De várias cores ...

À força de diferente, isto é monótono.

Como à força de sentir, fico só a pensar.


Se, de noite, deitado mas desperto,

Na lucidez inútil de não poder dormir,

Quero imaginar qualquer coisa

E surge sempre outra (porque há sono,

E, porque há sono, um bocado de sonho),

Quero alongar a vista com que imagino

Por grandes palmares fantásticos,

Mas não vejo mais,

Contra uma espécie de lado de dentro de pálpebras,

Que Lisboa com suas casas

De várias cores.


Sorrio, porque, aqui, deitado, é outra coisa.

A força de monótono, é diferente.

E, à força de ser eu, durmo e esqueço que existo.


Fica só, sem mim, que esqueci porque durmo,

Lisboa com suas casas

De várias cores.

(Álvaro de Campos)

25/02/10

Há no firmamento



Há no firmamento

Um frio lunar.

Um vento nevoento

Vem de ver o mar.


Quase maresia

A hora interroga,

E uma angústia fria

Indistinta voga.


Não sei o que faça,

Não sei o que penso,

O frio não passa

E o tédio é imenso.


Não tenho sentido,

Alma ou intenção...

'Stou no meu olvido...

Dorme, coração...

(Fernando Pessoa)

23/02/10

Bate a luz no cimo...




Bate a luz no cimo

Da montanha, vê...

Sem querer eu cismo

Mas não sei em quê....


Não sei que perdi

Ou que não achei...

Vida que vivi,

Que mal eu a amei !...


Hoje quero tanto

Que o não posso ter,

De manhã há o pranto

E ao anoitecer...


Tomara eu ter jeito

Para ser feliz...

Como o mundo é estreito,

E o pouco que eu quis !


Vai morrendo a luz

No alto da montanha...

Como um rio a flux

A minha alma banha,


Mas não me acarinha,

Não me acalma nada...

Pobre criancinha

Perdida na estrada !...

(Fernando Pessoa)
(Cancioneiro)

22/02/10

Árvore verde



Árvore verde,

Meu pensamento

Em ti se perde.

Ver é dormir

Neste momento.


Que bom não ser

'Stando acordado !

Também em mim enverdecer

Em folhas dado !


Tremulamente

Sentir no corpo

Brisa na alma !

Não ser quem sente,

Mas tem a calma.


Eu tinha um sonho

Que me encantava.

Se a manhã vinha,

Como eu a odiava !


Volvia a noite,

E o sonho a mim.

Era o meu lar,

Minha alma afim.


Depois perdi-o.

Lembro ? Quem dera !

Se eu nunca soube

O que ele era.

(Fernando Pessoa)

18/02/10

Entre o sono e sonho



Entre mim e o que em mim

É o quem eu me suponho

Corre um rio sem fim.


Passou por outras margens,

Diversas mais além,

Naquelas várias viagens

Que todo o rio tem.


Chegou onde hoje habito

A casa que hoje sou.

Passa, se eu me medito;

Se desperto, passou.


E quem me sinto e morre

No que me liga a mim

Dorme onde o rio corre -

Esse rio sem fim.

(Fernando Pessoa)

12/02/10

Tenho uma grande constipação



TENHO

Tenho uma grande constipação,
E toda a gente sabe como as grandes constipações
Alteram todo o sistema do universo,
Zangam-nos contra a vida,
E fazem espirrar até à metafísica.

Tenho o dia perdido cheio de me assoar.
Dói-me a cabeça indistintamente.
Triste condição para um poeta menor!
Hoje sou verdadeiramente um poeta menor.
O que fui outrora foi um desejo; partiu-se.

Adeus para sempre, rainha das fadas!
As tuas asas eram de sol, e eu cá vou andando.
Não estarei bem se não me deitar na cama.
Nunca estive bem senão deitando-me no universo.

Excusez un peu... Que grande constipação física!
Preciso de verdade e da aspirina.

(Álvaro de Campos)

09/02/10

Vinha elegante, depressa



Vinha elegante, depressa,

Sem pressa e com um sorriso.

E eu, que sinto co a cabeça,

Fiz logo o poema preciso.


No poema não falo dela

Nem como, adulta menina,

Virava a esquina daquela

Rua que é a eterna esquina...


No poema falo do mar,

Descrevo a onda e a mágoa.

Relê-lo faz-me lembrar

Da esquina dura - ou da água.

Fernando Pessoa (14-8-1932)

08/02/10

A Fada das Crianças



Do seu longínquo reino cor-de-rosa


Do seu longínquo reino cor-de-rosa,

Voando pela noite silenciosa,

A fada das crianças vem, luzindo.

Papoulas a coroam, e , cobrindo

Seu corpo todo, a tornam misteriosa.


À criança que dorme chega leve,

E, pondo-lhe na fronte a mão de neve,

Os seus cabelos de ouro acaricia -

E sonhos lindos, como ninguém teve,

A sentir a criança principia.


E todos os brinquedos se transformam

Em coisas vivas, e um cortejo formam:

Cavalos e soldados e bonecas,

Ursos e pretos, que vêm, vão e tornam,

E palhaços que tocam em rabecas...


E há figuras pequenas e engraçadas

Que brincam e dão saltos e passadas...

Mas vem o dia, e, leve e graciosa,

Pé ante pé, volta a melhor das fadas

Ao seu longínquo reino cor-de-rosa.

(Fernando Pessoa)

05/02/10

Feliz dia para quem é



Feliz dia para quem é
O igual do dia,
E no exterior azul que vê
Simples confia !

Azul do céu faz pena a quem
Não pode ser
Na alma um azul do céu também
Com que viver

Ah, e se o verde com que estão
Os montes quedos
Pudesse haver no coração
E em seus segredos !

Mas vejo quem devia estar
Igual do dia
Insciente e sem querer passar.
Ah, a ironia

De só sentir a terra e o céu
Tão belo ser
Quem de si sente que perdeu
A alma p’ra os ter !

(Fernando Pessoa)

04/02/10

Paisagens, quero-as comigo


Paisagens, quero-as comigo.
Paisagens, quadros que são...
Ondular louro do trigo,
Faróis de sóis que sigo,
Céu mau, juncos, solidão...

Umas pela mão de Deus,
Outras pelas mãos das fadas,
Outras por acasos meus,
Outras por lembranças dadas...

Paisagens... Recordações,
Porque até o que se vê
Com primeiras impressões
Algures foi o que é,
No ciclo das sensações.

Paisagens... Enfim, o teor
Da que está aqui é a rua
Onde ao sol bom do torpor
Que na alma se me insinua
Não vejo nada melhor.
Fernando Pessoa

03/02/10

Rosa Lobato de Faria



Pequenas palavras

De todas as palavras escolhi água,

porque lágrima, chuva, porque mar

porque saliva, bátega, nascente

porque rio, porque sede, porque fonte.

De todas as palavras escolhi dar.


De todas as palavras escolhi flor

porque terra, papoila, cor, semente

porque rosa, recado, porque pele

porque pétala, pólen, porque vento.

De todas as palavras escolhi mel.


De todas as palavras escolhi voz

porque cantiga, riso, porque amor

porque partilha, boca, porque nós

porque segredo, água, mel e flor.


E porque poesia e porque adeus

de todas as palavras escolhi dor.


Rosa Lobato de Faria

Locutora, actriz, guionista, poetisa, escritora: as mil faces de uma mulher livre.

Rosa Lobato de Faria morreu a 2 de Fevereiro de 2010 (ontem), quase 78 anos depois de ter nascido (Abril de 1932, Lisboa).

01/02/10

É Noite



É noite. A noite é muito escura. Numa casa a uma grande distância

Brilha a luz duma janela.

Vejo-a, e sinto-me humano dos pés à cabeça.

É curioso que toda a vida do indivíduo que ali mora, e que não sei quem é,

Atrai-me só por essa luz vista de longe.

Sem dúvida que a vida dele é real e ele tem cara, gestos, família e profissão.


Mas agora só me importa a luz da janela dele.

Apesar de a luz estar ali por ele a ter acendido,

A luz é a realidade imediata para mim.

Eu nunca passo para além da realidade imediata.

Para além da realidade imediata não há nada.

Se eu, de onde estou, só veio aquela luz,

Em relação à distância onde estou há só aquela luz.

O homem e a família dele são reais do lado de lá da janela.

Eu estou do lado de cá, a uma grande distância.

A luz apagou-se.

Que me importa que o homem continue a existir?

(Alberto Caeiro)

28/01/10



Viajar! Perder países!

Viajar! Perder países!

Ser outro constantemente,

Por a alma não ter raízes

De viver de ver somente!


Não pertencer nem a mim!

Ir em frente, ir a seguir

A ausência de ter um fim,

E a ânsia de o conseguir!

Viajar assim é viagem.

Mas faço-o sem ter de meu

Mais que o sonho da passagem.

O resto é só terra e céu.

Fernando Pessoa

26/01/10

Passa uma nuvem pelo sol



Passa uma nuvem pelo sol

Passa uma pena por quem vê.

A alma é como um girassol:

Vira-se ao que não está ao pé.


Passou a nuvem; o sol volta.

A alegria girassolou.

Pendão latente de revolta,

Que hora maligna te enrolou?

Fernando Pessoa
14-8-1933

22/01/10

Bom fim de semana

21/01/10

A Mão Posta Sobre a Mesa



A MÃO POSTA sobre a mesa,

A mão abstrata, esquecida,

Imagem da minha vida...

A mão que pus sobre a mesa

Para mim mesmo é surpresa.

Porque a mão é o que temos

Ou define quem não somos.

Com ela aquilo que fazemos

[...]
Fernando Pessoa

19/01/10

Lá fora onde árvores são


Lá fora onde árvores são

O que se mexe a parar

Não vejo nada senão,

Depois das árvores, o mar.


É azul intensamente,

Salpicado de luzir,

E tem na onda indolente

Um suspirar de dormir.


Mas nem durmo eu nem o mar,

Ambos nós, no dia brando,

E ele sossega a avançar

E eu não penso e estou pensando.


Fernando Pessoa

Poesias Inéditas

18/01/10

Pobre Velha Música!

Pobre velha música!

Não sei por que agrado,

Enche-se de lágrimas

Meu olhar parado.



Recordo outro ouvir-te,

Não sei se te ouvi

Nessa minha infância

Que me lembra em ti.



Com que ânsia tão raiva

Quero aquele outrora!

E eu era feliz? Não sei:

Fui-o outrora agora.



Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

15/01/10

Do meio da rua



Do meio da rua

(Que é, aliás, o infinito)

Um pregão flutua,

Música num grito...


Como se no braço

Me tocasse alguém

Viro-me num espaço

Que o espaço não tem.


Outrora em criança

O mesmo pregão...

Não lembres... Descansa,

Dorme, coração !...

(Fernando Pessoa)

13/01/10

Ilumina-se a Igreja por Dentro da Chuva



Ilumina-se a igreja por dentro da chuva deste dia,

E cada vela que se acende é mais chuva a bater na vidraça...


Alegra-me ouvir a chuva porque ela é o templo estar aceso,

E as vidraças da igreja vistas de fora são o som da chuva ouvido por dentro ...


O esplendor do altar-mor é o eu não poder quase ver os montes

Através da chuva que é ouro tão solene na toalha do altar...


Soa o canto do coro, latino e vento a sacudir-me a vidraça

E sente-se chiar a água no facto de haver coro...


A missa é um automóvel que passa

Através dos fiéis que se ajoelham em hoje ser um dia triste ...

Súbito vento sacode em esplendor maior

A festa da catedral e o ruído da chuva absorve tudo

Até só se ouvir a voz do padre água perder-se ao longe

Com o som de rodas de automóvel...


E apagam-se as luzes da igreja

Na chuva que cessa ...

(Fernando Pessoa )

11/01/10

Quando Está Frio


Quando está frio no tempo do frio, para mim é como se estivesse agradável,
Porque para o meu ser adequado à existência das cousas
O natural é o agradável só por ser natural.

Aceito as dificuldades da vida porque são o destino,
Como aceito o frio excessivo no alto do Inverno -
Calmamente, sem me queixar, como quem meramente aceita,
E encontra uma alegria no facto de aceitar -
No facto sublimemente científico e difícil de aceitar o natural inevitável.

Que são para mim as doenças que tenho e o mal que me acontece
Senão o Inverno da minha pessoa e da minha vida?
O Inverno irregular, cujas leis de aparecimento desconheço,
Mas que existe para mim em virtude da mesma fatalidade sublime,
Da mesma inevitável exterioridade a mim,
Que o calor da terra no alto do Verão
E o frio da terra no cimo do Inverno.

Aceito por personalidade.
Nasci sujeito como os outros a erros e a defeitos,
Mas nunca ao erro de querer compreender demais,
Nunca ao erro de querer compreender só corri a inteligência,
Nunca ao defeito de exigir do Mundo
Que fosse qualquer cousa que não fosse o Mundo.
(Alberto Caeiro)

07/01/10

O Sol que doura as neves afastadas



O sol que doura as neves afastadas

No inútil cume de altos montes quedos

Faz no vale luzir rios e estradas

E torna as verdes árvores brinquedos...


Tudo é pequeno, salvo o cume frio,

De onde quem pensa que do alto não vê

Vê tudo mínimo, num desvario

De quem da altura olhe quanto é.

(Fernando Pessoa)

05/01/10

Isto


Dizem que finjo ou minto

Tudo que escrevo. Não.

Eu simplesmente sinto

Com a imaginação.

Não uso o coração.


Tudo o que sonho ou passo,

O que me falha ou finda,

É como que um terraço

Sobre outra coisa ainda.

Essa coisa é que é linda.


Por isso escrevo em meio

Do que não está ao pé,

Livre do meu enleio,

Sério do que não é.

Sentir? Sinta quem lê!

(Fernando Pessoa
Cancioneiro)

04/01/10

Feliz 2010



Jamais haverá ano novo, se continuar a copiar os erros dos anos velhos.

29/12/09

As nuvens são sombrias


As nuvens são sombrias
Mas, nos lados do sul,
Um bocado do céu
É tristemente azul.
Assim, no pensamento,
Sem haver solução,
Há um bocado que lembra
Que existe o coração.

E esse bocado é que é
A verdade que está
A ser beleza eterna
Para além do que há.
(Fernando Pessoa)

28/12/09

Se sou alegre ou sou triste?...

Se sou alegre ou sou triste?...

Francamente, não o sei.
A tristeza em que consiste?
Da alegria o que farei?

Não sou alegre nem triste.
Verdade, não sou o que sou.
Sou qualquer alma que existe
E sente o que Deus fadou.

Afinal, alegre ou triste?
Pensar nunca tem bom fim...
Minha tristeza consiste
Em não saber bem de mim...
Mas a alegria é assim...
Fernando Pessoa

17/12/09

Boas Festas

Cartão de Natal

07/12/09

Eu

SOU LOUCO e tenho por memória
Uma longínqua e infiel lembrança
De qualquer dita transitória
Que sonhei ter quando criança.


Depois, malograda trajetória
Do meu destino sem esperança,
Perdi, na névoa da noite inglória,
O saber e o ousar da aliança.

Só guardo como um anel pobre
Que a todo herdeiro só faz rico
Um frio perdido que me cobre

Como um céu dossel de mendigo,
Na curva inútil em que fico
Da estrada certa que não sigo.

Fernando Pessoa
Poesias Inéditas

Gianna Nannini

04/12/09

Da minha janela ao acordar









03/12/09



Há no firmamento

Há no firmamento
Um frio lunar.
Um vento nevoento
Vem de ver o mar.

Quase maresia
A hora interroga,
E uma angústia fria
Indistinta voga.

Não sei o que faça,
Não sei o que penso,
O frio não passa
E o tédio é imenso.

Não tenho sentido,
Alma ou intenção...
'Stou no meu olvido...
Dorme, coração...

Fernando Pessoa

02/12/09

O Natal está a chegar

Brincava a criança



Brincava a criança


Brincava a criança

Com um carro de bois.

Sentiu-se brincado

E disse, eu sou dois !


Há um brincar

E há outro a saber,

Um vê-me a brincar

E outro vê-me a ver.


Estou atrás de mim

Mas se volto a cabeça

Não era o que eu qu'ria

A volta só é essa...


O outro menino

Não tem pés nem mãos

Nem é pequenino

Não tem mãe ou irmãos.


E havia comigo

Por trás de onde eu estou,

Mas se volto a cabeça

Já não sei o que sou.


E o tal que eu cá tenho

E sente comigo,

Nem pai, nem padrinho,

Nem corpo ou amigo,


Tem alma cá dentro

'Stá a ver-me sem ver,

E o carro de bois

Começa a parecer.


Fernando Pessoa Poesias Inéditas

27/11/09

No acaso da rua o acaso da rapariga loira

Acaso

No acaso da rua o acaso da rapariga loira.
Mas não, não é aquela.

A outra era noutra rua, noutra cidade, e eu era outro.

Perco-me subitamente da visão imediata,
Estou outra vez na outra cidade,
na outra rua,
E a outra rapariga passa.

Que grande vantagem o recordar intransigentemente!
Agora tenho pena de nunca mais ter visto a outra rapariga,
E tenho pena de afinal nem sequer ter olhado para esta.

Que grande vantagem trazer a alma virada do avesso!
Ao menos escrevem-se versos.
Escrevem-se versos, passa-se por doido, e depois por gênio, se calhar,
Se calhar, ou até sem calhar,
Maravilha das celebridades!

Ia eu dizendo que ao menos escrevem-se versos...
Mas isto era a respeito de uma rapariga,
De uma rapariga loira,
Mas qual delas?
Havia uma que vi há muito tempo numa outra cidade,
Numa outra espécie de rua;
E houve esta que vi há muito tempo numa outra cidade
Numa outra espécie de rua;
Por que todas as recordações são a mesma recordação,
Tudo que foi é a mesma morte,
Ontem, hoje, quem sabe se até amanhã?

Um transeunte olha para mim com uma estranheza ocasional.
Estaria eu a fazer versos em gestos e caretas?
Pode ser... A rapariga loira?
É a mesma afinal...
Tudo é o mesmo afinal ...

Só eu, de qualquer modo, não sou o mesmo, e isto é o mesmo também afinal.
Álvaro de Campos

26/11/09



Baladas de uma outra terra

Baladas de uma outra terra,
aliadas

Às saudades das fadas, amadas por gnomos idos,

Retinem lívidas ainda aos ouvidos

Dos luares das altas noites aladas...

Pelos canais barcas erradas

Segredam-se rumos descridos...


E tresloucadas ou casadas com o som das baladas,

As fadas são belas e as estrelas

São delas... Ei-las alheadas...

E sao fumos os rumos das barcas sonhadas,

Nos canais fatais iguais de erradas,

As barcas parcas das fadas,

Das fadas aladas e hiemais

E caladas...

Toadas afastadas, irreais, de baladas...

Ais...

Fernando Pessoa
Cancioneiro

25/11/09

A palidez do dia é levemente dourada


A palidez do dia é levemente dourada.
O sol de Inverno faz luzir como orvalho as curvas
Dos troncos de ramos secos.
O frio leve treme.

Desterrado da pátria antiquíssima da minha
Crença, consolado só por pensar nos deuses,
Aqueço-me trémulo
A outro sol do que este.

O sol que havia sobre o Parténon e a Acrópole
0 que alumiava os passos lentos e graves
De Aristóteles falando.
Mas Epicuro melhor

Me fala, com a sua cariciosa voz terrestre
Tendo para os deuses uma atitude também de deus,
Sereno e vendo a vida
À distância a que está.
Ricardo Reis
A Palidez do Dia

24/11/09

Freddie Mercury and Monserrat Caballe

Freddie Mercury



Freddie Mercury, nome artístico de Farrokh Bommi Bulsara, nasceu em Stone Town a 5 de Setembro de 1946 e faleceu em 24 de Novembro 1991 Londres, foi o vocalista da banda de rock britânica Queen.
Um dos melhores cantores de todos os tempos e uma das vozes mais conhecidas do mundo.

20/11/09

Os Meus Pensamentos são Todos Sensações



Sou um guardador de rebanhos.

O rebanho é os meus pensamentos

E os meus pensamentos são todos sensações.

Penso com os olhos e com os ouvidos

E com as mãos e os pés

E com o nariz e a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la

E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor

Me sinto triste de gozá-lo tanto.

E me deito ao comprido na erva,

E fecho os olhos quentes,

Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,

Sei a verdade e sou feliz.

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos
- Poema IX" Heterónimo de Fernando Pessoa

19/11/09

Os anos são degraus


(Nela Vicente)
Os anos são degraus, a Vida a escada.

Longa ou curta, só Deus pode medi-la.

E a Porta, a grande Porta desejada,

só Deus pode fechá-la,

pode abri-la.


São vários os degraus; alguns sombrios,

outros ao sol, na plena luz dos astros,

com asas de anjos, harpas celestiais.

Alguns, quilhas e mastros

nas mãos dos vendavais.


Mas tudo são degraus; tudo é fugir

à humana condição.

Degrau após degrau,

tudo é lenta ascensão.


Senhor, como é possível a descrença,

imaginar, sequer, que ao fim da Estrada,

se encontre após esta ansiedade imensa

uma porta fechada

e mais nada?


Fernanda de Castro, in "Asa do Espaço"

17/11/09

Posso ter defeitos, viver ansioso ...



Posso ter defeitos, viver ansioso
e ficar irritado algumas vezes mas
não esqueço de que minha vida é a
maior empresa do mundo, e posso
evitar que ela vá à falência.

Ser feliz é reconhecer que vale
a pena viver apesar de todos os
desafios, incompreensões e períodos
de crise.

Ser feliz é deixar de ser vítima dos
problemas e se tornar um autor
da própria história. É atravessar
desertos fora de si, mas ser capaz de
encontrar um oásis no recôndito da
sua alma.

É agradecer a Deus a cada manhã
pelo milagre da vida.

Ser feliz é não ter medo dos próprios
sentimentos.

É saber falar de si mesmo.

É ter coragem para ouvir um "não".

É ter segurança para receber uma
crítica, mesmo que injusta.

Pedras no caminho?

Guardo todas, um dia vou construir
um castelo…

Fernando Pessoa

16/11/09

Boa Semana

Flores